A Imortalidade – Rapidinhas #12

por | out 6, 2016 | Rapidinhas, Resenhas, Sem categoria

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“A vergonha não tem por fundamento um erro que cometemos, mas a humilhação que sentimos em ser o que somos sem o termos escolhido, e a sensação insuportável de que essa humilhação é evidente para todos.”

 A sempre fascinante e filosófica escrita de Milan Kundera segue dessa vez a vida de duas irmãs e a relação entre irmã mais nova e irmã mais velha. Ao longo do livro, a irmã mais velha tende a se desassociar do mundo enquanto a mais nova vai abocanhando filosoficamente o seu lugar.

Como de praxe nas obras de Kundera, há um certo nível de machismo. Dessa vez, porém, bem mais sutil e nem um pouco tão horripilante quanto nA Valsa dos Adeuses, nada que impeça a leitura. Quase todo o sexismo fica centrado na opinião dos personagens e isso não resvala no desenrolar da narrativa e nem na obra ao todo. Mesmo assim, sempre fico confuso ao tentar compreender a paixão que esse homem tem pelos personagens mais escrotos. Parece que quanto mais escroto, mais sente-se o apego de Kundera nas linhas que descrevem as suas ações.

Os destaques positivos vão para os sucintos momentos de reflexão com relação aos conceitos simples que regem a vida humana, como a vergonha, a solidão e a imortalidade. Há algo meio Jô Soares ao trazer ao status de personagem figuras célebres, aqui encarnados nos escritores Goethe e Hemingway em suas geniais discussões, no além. É notável também a quebra da quarta parede quando Goethe diz “Não seja idiota, Ernest, você sabe que no momento não somos senão a fantasia frívola de um romancista que nos faz dizer aquilo que provavelmente nunca dissemos.” Além disso, o próprio escritor também participa do livro, não apenas como narrador. Vale a pena também checar a opinião de um filósofo sobre o horóscopo.

O charme das obras de Kundera, além da dissecação metafísica das emoções, é escrever de forma que todo o livro seja uma viagem interessante e não-apressada, muitas vezes de forma não-linear. De maneira profunda e madura, o autor evita e execra os livros de hoje em dia que gastam toda a sua extensão na criação da tensão para o clímax, assim invalidando todo o conjunto de uma obra que deveria ser um deleite do começo ao fim.

Infelizmente o conjunto da Obra de Kundera no Brasil, talvez por ser extenso, não recebeu o devido tratamento. Essa edição por exemplo, não consta na ótima coleção da Companhia de Bolso, mas consta na da Companhia das Letras, que não tem as outras. É difícil colecioná-las. Apesar das capas da versão da CdL serem realmente belas, o livro é diagramado de forma a ter mais de 400 páginas e custar uma nota. Vale muito mais a pena procurá-los na Estante Virtual.

O ponto mais positivo dos livros de Kundera, e o que rendeu 7 Gabos para este (uma boa nota para um bom livro), é o poder de transformação/reflexão que suas palavras tem sobre o leitor. É como se cada passagem estivesse carregada de uma sabedoria valiosa demais para nos esquecermos. Talvez por isso seja tão fácil reler alguns dos seus livros.

7

Saiba mais no Skoob
A Imortalidade – Milan Kundera
408 páginas – Companhia das Letras

PS: Se você não conhece Milan Kundera, eu te aconselho a começar por outros. A Insustentável Leveza do Ser, O Livro do Riso e do Esquecimento, A Lentidão e A Brincadeira são em ordem de melhor para pior, superiores. Aconselho também a manter distância dA Valsa dos Adeuses. 

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