Confissões do Crematório – OGS #171

por | set 24, 2019 | Resenhas

Em Confissões do Crematório, um livro pra quem pensa em morrer um dia, da Caitlin Doughty, eu li, e li, e li, e consegui refletir tanto que demorei tudo isso pra vir escrever sobre.

Sinopse da contracapa: Lições para toda a vida. A morte é a única certeza da vida. Então por que evitamentos tanto falar sobre ela? Morrer é inevitável, sentimos muito. Mas, pelo menos, como descobriu Caitlin Doughty, ficar a sete palmos do chão é uma opção. Ainda jovem, Caitlin conseguiu um emprego em um crematório na Califórnia e aprendeu muito mais do que imaginava preparando corpos para a incineração. A exposição constante à morte mudou completamente sua forma de encarar a vida, e a necessidade de dividir suas experiências transformaram a agente funerária em uma escritora e youtuber muito peculiar. O resultado é um livro surpreendente, repleto de memórias sinceras, hilariantes e transformadoras.

Ah, Caitlin Doughty, como pode ser tão dona do meu coração sendo que nem te conhecia antes? HAHA

Se tem um livro pelo qual me apaixonei nesse caótico ano, esse é Confissões do Crematório. Eu acabei comprando o livro na época do lançamento de Por toda a Eternidade, mas demorei um tiquinho pra ler. Quando comecei, já era tarde demais. Já estava completamente vendida pra esta mulher.

“Olhar diretamente nos olhos da mortalidade não é fácil. Para evitar isso, nós escolhemos continuar vendados, no escuro em relação às realidades da morte. No entanto, a ignorância não é uma benção – é só um tipo mais profundo de pavor.”

Confissões do Crematório, Caitlin Doughty (trad. Regiane Winarski), pg. 14

A morte sempre foi um assunto que me atraiu (e que deve atrair praticamente todo mundo, mesmo que seja pra evitar pensar nela haha) desde pequena, seja por questões de filmes, de desenhos, de histórias, aquelas questões do suspense, de pra onde será que vamos depois da morte. Tudo isso permeia o imaginário, mesmo que quando criança eu não pensasse muito em morrer. Inclusive, até pouco tempo atrás eu acredito que não tinha medo de ir, hoje em dia tem dias que já não sei muito bem…

Esse interesse da autora pela morte veio vinculado à um trauma que virou praticamente uma obsessão, e acabou culminando com a experiência dela ir trabalhar num crematório (daí obviamente o título), essa questão de fugirmos da morte, de escondermos tudo que seja relacionado à ela, é muito da nossa cultura urbana. E ela vai tratando e mostrando a relação dela com os corpos, com as mortes, de uma maneira incrível.

“Ele é só uma pessoa morta, disse a mim mesma. Carne apodrecendo, Caitlin. Uma carcaça de animal.
Não foi uma técnica motivacional eficiente. Byron era muito mais do que carne apodrecendo. Ele também era uma criatura nobre e mágica, como um unicórnio ou um grifo. Era um híbrido de coisa sagrada e profana, preso comigo nessa estação entre a vida e a eternidade”

Confissões do Crematório, Caitlin Doughty  (trad. Regiane Winarski), pg. 18-19

Nesse meu tempo de vida, já me deparei com a morte algumas vezes, com a morte de pessoas próximas, com a morte de pessoas nem tão próximas, com a morte de bichos, com a morte da vida real. Já que a da vida da imaginação sempre tem cores diferentes (ou uma ausência delas, como a autora comenta ao dizer da miríade de cores da putrefação), tem um distanciamento de imagem, de letras, enfim, diferente do que você ter de ir a um enterro de uma pessoa que conheceu.

Eu nunca consegui me convencer de que era boa essa sensação de perda irreparável de alguém indo embora, se eu tenho uma fé de que existe um além daqui, porque sofrer por alguém estar indo pra lá? Porque era uma surpresa ir? Porque o afastamento dessa pessoa bate tão fundo? Será que não tem uma maneira de facilitar esse luto, essas sensações? Tanto pra quem vai quanto pra quem fica? Esconder e fingir que só o carpe diem existe serve pra algo?

Caitlin vai traçando esse paralelo, de como é extremamente necessário esse resgate do falar sobre a morte, do lidar com ela, porque ignorar não faz a morte deixar de acontecer. Ela é natural. Ela faz parte. E a gente não lida com isso no nosso dia a dia, só quando ela bate na nossa porta ou na porta de outrem.

Ela ainda acaba abordando essa indústria do enterro nos Estados Unidos, de como existe um esvaziamento de ritual, de conceito, de porquês dos rituais de morte, como o embalsamar, o cremar, tudo vira ou uma maneira de ganhar dinheiro ou um jeito de se livrar de um corpo. Sem um porquê, um ritual não é um ritual.

“Se embalsamar era uma coisa que um profissional como Bruce jamais conseguiria fazer na própria mãe, eu me perguntei por que estávamos fazendo aquilo nas pessoas.”

Confissões do Crematório, Caitlin Doughty  (trad. Regiane Winarski), pg. 94

Eu nem sei dizer o quanto eu achei maravilhoso esse livro, do quanto foi fantástico o traçado que ela faz com alguns rituais de morte, sobre como foi observar um velório no crematório no qual todos sabiam o que fazer, todo mundo tinha um papel naquela morte, todo mundo sabia onde deveria ficar e o que fazer. E por isso o processo natural era facilitado. A gente se desapega de muita coisa nessa miopia urbana, a gente se veda de tantos processos naturais da vida urbana, que a vida orgânica também vai se apagando. Mas ela é uma das poucas que nunca para.

“As pessoas no frigorífico provavelmente não andariam juntas no mundo dos vivos. O homem negro idoso com infarto do miocárdio, a mãe branca de meia-idade com câncer de ovário, o jovem hispânico que levou um tiro a poucos quarteirões do crematório. A morte os levou até ali para uma espécie de reunião das Nações Unidas, uma discussão em mesa redonda sobre a não existência.”

Confissões do Crematório, Caitlin Doughty  (trad. Regiane Winarski), pg. 28

Falar sobre a morte é falar sobre a vida. Vivemos porque morreremos. E morreremos justamente por termos estado vivos anteriormente.

Confissões do Crematório
Autora: Caitlin Doughty
Tradutora: Regiane Winarski
Editora: Darkside
Páginas: 260

 

 

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