Do pó ao pó – Conto

por | jan 17, 2018 | Contos

Do pó viemos e a ele voltaremos… aquele conto maroto sobre origem do universo, uma casa empoeirada e um pano que não tira a poeira direito, mas mesmo assim o mantemos na área de serviço.

E abrindo o ano com um conto novo! Esse veio de inspiração de uma conversa com o Artur, então ficam os agradecimentos pelo insight. HAHA

Aliás, fica o lembrete de que você pode conferir todos os contos que já apareceram aqui tanto pelo meu Wattpad quanto pela categoria Contos do blog mesmo (aqui incluídos os contos lindezas dos convidados!).

Do pó ao pó

Tirava o pó de sua casa todos os dias. Era impressionante a capacidade de acumulação. Não fazia diferença se sua casa era nova, velha, se mantinha as janelas abertas ou fechadas. Ele sempre dava um jeito.

Uma vez vira uma reportagem que dizia que quase todo o pó era composto quase inteiramente por pele morta. Também vira outra reportagem que dizia que os ácaros comiam essa pele morta todas as noites enquanto você dorme, ou algo assim, não se recordava muito bem.

Isso lhe parecia extremamente contraditório, como seria possível que os ácaros não dessem conta de comer tudo e sobrasse tanto? Morava sozinha, ergo, havia alguma coisa errada na equação. Certamente tinham mais ácaros do que humanos na terra. Uma vez também vira que a quantidade de aranhas… bem, estava fugindo do assunto.

Havia acabado de chegar do trabalho, afastou as cortinas da sala para poder abrir a janela e arejar a casa. Aqueles montículos de poeira voadora fizeram aquela sua dança de pouca influência da gravidade na frente dos seus olhos. Sentiu a rinite querer estourar.

Fazia pouquíssimo tempo que lavara as cortinas. Essa intrusão poeirenta.

Já tinha começado a deixar um paninho fácil para tirar o que estava acumulado, não que fosse muito eficiente, ela dava aquela arrastada com o pano seco, assim ele caía da estante pro chão e era isso mesmo. Depois varria tudo, ele voava, voltava de forma invisível pra estante, e o ciclo recomeçava. Não que fizesse isso todo dia, ninguém era de ferro e sua paciência era curta. Mas fazia sempre que lhe irritava o suficiente pra esquecer da efemeridade que era tirar a poeira de sua casa.

Deitou na cama. Imaginou que provavelmente os ácaros teriam se perguntado se ela já estaria indo dormir pra aproveitar o banquete de sua epiderme velha. Infelizmente pra eles ela não estava. Pensou na célebre frase “do pó viemos e ao pó voltaremos”, ou algo assim, estava com preguiça de jogar no google.

Considerou seriamente a frase.

E sentiu sua realidade. Sua verdade intrínseca.

Tudo era pó. Todos éramos. Todos seríamos. Eventualmente tudo se torna pó, e volta a compor algo. Ou não. Pode ser que só saia voando pra impregnar outros lugares, se aglomerar, virar aqueles montículos estranhos que te fazem questionar sua real composição.

Do pó ao pó.

Considerou seriamente se o tempo que passou pensando deitada na cama já teria sido o suficiente pra acumular pó na estante.

Não quis ir conferir.

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